quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Relembrando Amélie Poulain

Se a premissa de Leonardo Da Vinci de que “os olhos são a janela da alma” for verdadeira, o olhar faceiro e jovial da atriz Audrey Tatou é um dos bons segredos do diretor Jean-Pierre Jeneut para confirmar o êxito arrebatador de O Fabuloso Destino de Amelie Poulain.

O filme narra a trajetória de uma garçonete que, certo dia, encontra em seu apartamento uma antiga caixa contendo velhos brinquedos. Após algumas investigações, ela, surpreendentemente, consegue chegar ao seu antigo dono. Um senhor de idade que escondeu a caixinha, ainda na infância. Ao observar o reflexo dessa boa ação, a emoção vivida por aquele senhor, a garota decide gastar o restante do seu tempo livre dedicando-se em promover atitudes positivas para quem estiver ao seu redor.

O roteiro, aparentemente, simplista, mostra-se eficaz na carpintaria acertada de Jeneut. Mesmo assim, muitos críticos chegaram a dizer que o referido filme não passava de uma “historia em quadrinhos” ou, mesmo, “belo, porem vazio”.

Pouco preocupado com essa questão, o diretor chega a dar voz a um de seus personagens ao comentar que “os críticos literários são como abutres, de olho na carcaça dos seus escritores”. Uma clara referência aos seus futuros detratores. A verdade é que Amelie revela-se como uma curiosa fábula moderna de costumes, dando especial realce às peculiaridades cotidianas.

Uma seqüência, logo de inicio, demonstra bem isso. Ao apresentar as diversas personalidades que irão participar da historia, conhecemos, de antemão, suas preferências e discordâncias. Coisas simples, impossíveis de se levar em conta, mas que em Amelie ganham especial evidência. É tanto que, durante a projeção, somos apresentados a tipos genuinamente europeus, envoltos numa atmosfera quase surreal.

 Nesse contexto, é importante frisar o papel da fotografia de tons vibrantes, adicionada à trilha sonora embriagante, contribuindo para criar uma “Paris Ideal”, de sonhos, colorida e encantadora. Um cartão-postal, atraente aos olhos e aos demais sentidos. Nesse refúgio notadamente escapista, o já citado olhar de Audrey Tatou ganha contornos de hiper-realidade. A todo instante, temos a impressão de que a protagonista poderá interagir diretamente com o espectador, em questão.

 É fácil notar como, sequencialmente, Amelie se fixa nos olhos de quem a acompanha na sala de cinema, chegando a ser possível acreditar na sua saída da tela. O que não seria um fato inédito. Basta lembrar de A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, em que o herói Jeff Bridges abandona a película para conhecer uma dona-de-casa (Mia Farrow) que se abriga nos encantos da sétima arte na intenção de abandonar a dura realidade vivida na época da depressão norte-americana.

Em suma, Amelie Poulain é obra de cunho otimista que busca valorizar a vida nos seus mínimos detalhes. A finalidade de Jeneut era idealizar um filme que mostrasse o mundo sob o ponto-de-vista pueril das crianças que, segundo preceitos filosóficos, observam a tudo, atentas e curiosas até que, um dia, esse encantamento se desfaz (uma clara metáfora sobre a passagem para a idade adulta), e tudo se transforma em hábito. Amelie visa, enfim, prorrogar, um ideal estado de espírito, sendo preciso, apenas, para isso, comprar a idéia.

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