domingo, 28 de dezembro de 2008

A Felicidade Não Se Compra

“Uma pessoa se torna cinéfila não porque vê filmes, mas sim porque sente a necessidade imperiosa de ver os filmes que ainda não viu”. Essa é uma citação do diretor francês Jean Charles Tacchela, ressaltada no prefácio do livro “O Outro Lado da Noite: Filme Noir”, de Antônio Carlos Gomes de Matos, professor de História de Cinema e Cinestética da PUC-RJ.

Tendo essa lembrança como referência, todo apreciador do bom cinema deveria guardar um lugar especial para A Felicidade não Se Compra (1946) na sua cinemateca básica. O filme do diretor Frank Capra é uma dessas pérolas que nunca nos cansamos de ver e uma dessas experiências inesquecíveis. Lágrimas? São inevitáveis. O poder desse filme sexagenário ainda persiste, tanto pela sua mensagem positiva como pelo seu incondicional amor à vida.

Essa bela história, contudo, não agradou de imediato. Quando fora lançado, houve bastante resistência por parte de público e crítica que pareciam não admitir uma trama (pós-Segunda Guerra Mundial) que fazia referência à depressão americana da década de 30 e as conseqüentes dificuldades econômicas daquele período. Como se, de certa maneira, aquele povo quisesse negar um passado recente.

Demorou um pouco, mas A Felicidade Não se Compra foi redescoberto e terminou se tornando uma tradição do Natal e o clássico que é hoje, sempre figurando entre os mais importantes da história do cinema. Outros filmes como 2001: Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick) e Blade Runner (Ridley Scott) também sofreram com essa indiferença inicial, sendo, posteriormente, reconhecidos.



O filme de Frank Capra narra a saga de George Bailey (James Stewart), homem simples e idealista que ao longo de sua vida se sacrificou em prol dos outros. Ainda criança, salvou a vida do seu irmão mais novo e impediu que seu velho chefe cometesse um erro, que poderia custar a vida de outra pessoa.

Na juventude, teve que abandonar a idéia de fazer uma universidade e viajar pelo mundo para comandar a firma do seu pai. Também abdicou da sua lua-de-mel para, mais uma vez, salvar sua firma da bancarrota. Lutou contra homens poderosos da sua cidade permitindo que muitas pessoas tivessem acesso ao crédito e à casa própria. Enquanto sua própria morada precisava ser renovada. George Bailey era, portanto, um homem que buscava, essencialmente, o bem-estar comum.

A quebra nessa singularidade narrativa se dá quando, por um descuido, seu tio perde uma quantia em dinheiro que deveria ser depositada no banco, ao mesmo tempo em que um fiscal analisava as contas da empresa. George se viu numa situação das mais difíceis. Poderia até ir para a cadeia por um erro que não cometeu. O desespero de ver sua dignidade descer pelo ralo acaba o impelindo a desistir de seu bem mais precioso: a sua própria vida.

Capra constrói esse paradoxo com a competência de quem entende como ninguém a linguagem cinematográfica. A iluminação se torna ofuscada e há um clima de tensão e angústia na face de George Bailey, contrastando com o que vinha se apresentando desde então. Sentimos, ao seu lado, a dor de quem não encontra mais chão sob os seus pés. E é essa, afinal, a tônica de A Felicidade Não se Compra.

No limiar da tragédia, o personagem ganha a oportunidade de vivenciar como seria a vida se ele não existisse, assim era o seu desejo, naquele momento. Capra utiliza o recurso de um anjo da guarda, que proporciona essa chance a George, até pelo fato do longa-metragem se configurar como uma fábula moderna. Ele vê que sem a sua intervenção a vida de tantas pessoas mudava para pior. Seu irmão morrera, seu antigo chefe se tornara um bêbado, sua mãe, uma mulher amargurada pelos percalços da vida, e a esposa, uma solitária sem rumo.

Com essa visão desanimadora, George implora para ter sua vida de volta. A sua mensagem é a da apreciação das coisas simples que só valorizamos quanto perdemos e que, na maior parte das vezes, são enevoadas pela própria rotina. George perde o que, diante daquelas circunstâncias, rejeitava e, ao verificar isso in loco, percebe o quanto era feliz. Na conclusão otimista, Capra escreve “ninguém é um fracasso se tem amigos”.

Essencialmente, A Felicidade Não Se Compra é um filme para se guardar no coração.
Avaliação: 10,0

Nenhum comentário: