A expressão artística possibilita que de um determinado objeto se tire várias interpretações. No caso do cinema, que envolve aspectos visuais e sonoros, é possível contar uma história sob as perspectivas mais diversas. E esse mosaico de idéias, quando manejado de forma hábil, tem a capacidade de proporcionar outras racionalizações que, confrontadas com a vivência de cada um, acaba formando um pensamento, dito, essencial.
Esse objeto fílmico tanto pode ser um caso específico de uma determinada época, como uma abordagem psicológica. A parte representando um todo ou uma elucubração figurativa da realidade.
Tornando esse raciocínio mais prático, um filme como O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) conta um período político turbulento da nação brasileira sob a ótica de uma criança. A Ditadura Militar, em plena década de setenta, ganha um capítulo a mais, nesse caso tendo como palco a Copa do México, onde o Brasil conquistaria o tricampeonato mundial.
Toda a história, conduzida pelo diretor Cao Hambúrguer, é delineada pelos olhos de Mauro (Michael Joelsas). Ele é deixado pelos pais na porta da casa do avô (Paulo Autran) afirmando que vão tirar “férias”, prometendo voltar no início da Copa. Na verdade, eles fogem da repressão, pois estão envolvidos com questões políticas. Mauro não sabe bem o que se passa, mas sente a angustia dos pais em olhares apreensivos e atitudes ríspidas.
O destino intervém e seu avô morre de forma súbita, sequer encontra o neto. Sozinho, numa cidade desconhecida, Mauro ficará na companhia de Shlomo (Germano Haiut), o vizinho judeu que aceita ser seu tutor enquanto seus pais não voltam das “férias”. Dessa conjuntura, Cao Hambúrguer explora além do contraste cultural, o isolamento e as descobertas de uma época que insiste em não dar respostas.
Trabalhando com metáforas, o diretor vê Mauro como uma parte da nação que sofre sem ter a consciência literal do que está acontecendo, recebendo como consolação o fascínio do triunfo em terras estrangeiras. Já que, nesse caso, enquanto a seleção caminhava para a vitória, a euforia encobria a difícil situação política, como se todo o país também estivesse de férias, alheio à repressão ou fugindo dela. Aspecto que pode ser transportado para várias ocorrências onde a ilusão supera a construção da realidade.
Cao Hambúrguer, que dirigiu a versão cinematográfica de O Castelo Rá-Tim-Bum (1999), faz isso utilizando significados visuais diretos, como imagens vistas por objetos espelhados, e indiretos, com bases de apoio representativos dessas situações. Os insistentes reflexos simbolizam essa impressão posta pelo diretor que, apesar de não fazer um relato autobiográfico constrói um filme inspirado em lembranças da sua infância.
Texto publicado na coluna Sétima Arte da Revista Papangu
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